Escolher é perder
Li essa frase já não sei onde nem quando, mas ficou aqui, guardada, em meio à tentativa constante de manter o equilíbrio entre os ganhos e as perdas que surgem como consequência de cada decisão.
Lembro que, ainda criança, decorei um poema de Cecília Meireles: Ou isto, ou aquilo. Devia ter uns 4 ou 5 anos e gostava de repetir os versos, talvez para exibir um orgulho infantil de quem tinha conseguido “decorar um livro inteiro” (fato que, a propósito, se repetiu algumas vezes, com Leilão de Jardim, também de Cecília, e outros). Só mais tarde me dei conta do significado. “Ou guardo o dinheiro e não compro o doce, ou compro o doce e não tenho o dinheiro. Ou isto ou aquilo, e vivo escolhendo o dia inteiro...”
Penso que o poema, que sei de cor até hoje, talvez possa ter me ajudado a compreender algumas situações. Enquanto eu via muita gente se lamentando porque queria tudo – o doce e o dinheiro guardado – eu tinha, tenho e sempre tive os dois pés fincados no chão, o que sempre considerei uma vantagem (os esotéricos podem atribuir ao sol – e à lua – em Capricórnio).
Não que eu não sofra. Pelo contrário. Estar ciente disso não significa que eu não queira tudo ao mesmo tempo agora. Nem impede que a frustração chegue, que o medo me faça recuar, que a afobação me cause taquicardias e falta de ar sem saber que caminho seguir ou que o choro tome conta diante de um arrependimento. E vira e mexe me pego repetindo sozinha os versos da infância.
Escolher acordar mais cedo para ir caminhar é abrir mão de ficar mais tempo na cama. Aceitar um novo emprego é dizer adeus à rotina que era confortável. Dizer sim a um encontro é deixar de lado a noite de filme sozinha e já planejada. Viajar é deixar de guardar algum dinheiro. Guardar dinheiro é se privar de algo que você gostaria. Comer saudável é abrir mão da sobremesa. Ficar em casa é recusar o convite para sair. Falar o que pensa é correr o risco de desagradar. Não falar é correr o risco de se desagradar.
Uma vez, numa das mudanças que fiz, alguém comentou sobre minha decisão de ir embora da cidade onde eu estava, do lugar que eu gostava, dos amigos que faziam parte do meu dia a dia. Como se ter tomado aquela decisão fosse um ato de coragem. Não deixa de ser e nunca foi mesmo fácil. Mas a decisão de ficar também é escolha. No mesmo dia em que arrumei minhas caixas, outras pessoas escolheram continuar (como eu, tantas vezes). No mesmo dia em que cortei o cabelo, muita gente escolheu não cortar. Não parece, mas a não-mudança também exige uma decisão diária: a de permanecer como está.
É basicamente uma versão cotidiana daquela velha cena das pílulas da Matrix. Ou cada escolha uma renúncia, isso é a vida. No fim, todas as alternativas são válidas. Porque nós somos as experiências que vivemos, mas também as que deixamos de viver.
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